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14/04/2018

Arte Capital

MÓDULO – CENTRO DIFUSOR DE ARTE (LISBOA)
Calçada dos Mestres, 34 A/B
1070-178 Lisboa

08 MAR - 14 ABR 2018 

A paisagem do fotógrafo Tito Mouraz devolve ao espectador um olhar introspetivo do que se entende de perceção contemporânea, de modo a estabelecer uma nova relação íntima entre ser humano e natureza. Trata-se de refletir sobre a paisagem enquanto experiência de lazer. Todavia, esta experiência deambula por outras perceções estéticas, as quais geram outras possibilidades de sentir a natureza, espelhando uma nostalogia de um passado paradisíaco, em que o ser humano vive um "momento intemporal".

Nesta série, intitulada Fluvial, de Tito Mouraz, contempla-se a paisagem enquanto "território", tal como afirma Humberto Brito (cf. texto da galeria, 2018). Na paisagem, há um cruzamento entre uma ténue deambulação do ser humano e uma poesia visual idílica, em que natureza é presenciada numa sensação de intemporalidade que oscila entre uma vibração suave e um revivalismo do "estado natural" de Rousseau.

Em Fluvial, o espectador é despertado para esta possibilidade de sensação subtil em insignificantes detalhes, tal como o cheiro da natureza, ou o gesto de emergir da água, bem como o "êxtase das coisas" que é celebrado entre a luz e sombra dos "corpos" vistos enquanto imagens escultóricas.

Esta visão que nos apresenta o artista contemporâneo sobre o lazer evoca a beleza que se apresenta fora das coisas, no limiar do desconhecido, repleto de significados da vida quotidiana. Assim, a obra mergulha na impressão que captamos da fugacidade de todas as coisas. Isto é, daquilo que se vê da vida quotidiana quase como uma memória, aludindo aos momentos de tempo da vida burguesa contemporânea. Recordamos, deste modo, a obra de Proust, Em Busca do Tempo Perdido: À Sombra das Raparigas em Flor, por nos transportar para esses fragmentos da vida, que se arrastam para o esquecimento:

"A paisagem tornou-se acidentada, abrupta, e o comboio parou numa estaçãozinha entre duas montanhas. Ao fundo do desfileiro, à beira de um rio, apenas se via uma casa de guarda enfiada na água que corria rasando as janelas."( Proust, À Sombra das Raparigas em Flor, 2003, p. 238)

Esta impressão, que exalta o "êxtase" das coisas do mundo, que nos apresenta Proust, ou mesmo Joyce, evoca uma beleza de uma "vida quotidiana digna de ser vivida". Em Joyce, através da sua literatura, percecionamos a fugacidade da psicologia humana, que nos leva a abandonar à beleza quotidiana:

"Uma rapariga estava-lhe defronte no meio da corrente, só e imóvel, olhando para o mar. Parecia uma criatura transformada por encanto no aspecto de uma extravagante e bela ave marinha." (Joyce, Dedalus, 1917)

De certo modo, as fotografias de Tito Mouraz transporta-nos para uma análoga sensação de beleza, cujas imagens espelham as figuras femininas como se fossem esculturas voláteis a emergir da água, ou da vegetação, ou, até, a erosão das rochas e a fugacidade dos animais.

As formas dos "corpos" humanos e não-humanos, orgânicos e inorgânicos, expressam este encanto, quase mágico, onde a natureza se funde com as figuras femininas, ou elevam-se das águas, aparentemente, numa serenidade e calma, cuja sombra se esbate no fundo. Cria-se, assim, uma visão cenográfica e teatral. A luz modela as formas dos vários "corpos" contrastando com a sombra ou com a água do rio.

O artista transporta-nos para uma dimensão antropológica nas suas obras de arte. A zona ribeirinha do rio como "lar ou casa" da sociedade contemporânea portuguesa, como "lugar", enquanto lazer e da vida quotidiana. A fotografia encena uma subtil vibração de beleza que nos apela à tranquilidade, para nos projetar ao que se entende de natureza na atualidade. Tal como afirma Nuno Matos Duarte: "No sintetismo simbólico encontram estas imagens o seu dizer e, nele, carregam a força que guia o imaginário por lugares incertos: o curso de água está em toda a parte." (cf. texto da galeria, 2018).

Joana Consiglieri


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